sábado, 28 de novembro de 2009

Espelho

Era noite. Lua, estrelas, nuvens, tudo se misturava na doce dança do tempo durante os segundos penetrantes. A casa estava vazia, quase isolada entre a multidão de casas iguais à mesma. Porém, algo a diferenciava hoje. Talvez apenas porque eu estava ali, sentado no sofá estofado de um couro sintético escuro, ao centro da pequena sala. Ainda assim, não me considerava alguém.

Meu peito nu tremia na baixa temperatura e, minha mão, segurava aquele instrumento que era arma de muitas utilidades. Utilidades que se preservavam até segundos, talvez minutos seguintes.

Meus pés se mexeram, estavam em movimento constante agora levando meu corpo bruto e sem nenhuma resistência pelo corredor escuro. A porta ao final esquecia-se aberta e alguém estava lá. Alguém que também andava, embora em minha direção. Passei o portal entrando no pequeno cômodo de luz desligada segurando cada vez mais forte minha defesa - ou meu ataque. O braço da imagem estava levantado, segurando a minha morte diretamente para mim. Não haveria defesa se meu corpo paralisasse como eu teria imaginando, mas meu braço também havia se levantado em minha defesa. Seria uma batalha? O ultimo momento de um homem?

As lembranças passaram em minha mente como flash bakcs, que sempre ouvi falar que apareciam durante o ultimo momento de nossas vidas. Minha infância - sofrida não por miséria, mas sim por um sentimento triste e reprimido - demorou mais tempo em minhas visões. Em seguida, vieram devaneios: momentos em que sonhos pareciam ter sido realizados. Meus amigos passaram rindo em minhas imagens mentais, felizes diante de mim em todas as nossas aventuras emocionantes apesar de não sentir meus lábios retorcidos em uma parábola que mostrava minha felicidade junto a eles. Então chegaram elas. Os dias em que senti o mesmo sentimento de hoje, os dias em que tudo de ruim estava sobre mim e percebi que eram mais dias do que eu imaginava, quase todos de minha vida. Não havia mais ninguém nessas lembranças... Amigos, família, ninguém estava presente na maioria dos dias. Todos me abandonaram. Não haviam dias felizes, apenas dias em que meus sentimentos eram recobertos por algo que não era verdade, algo que tinha acabado de perceber.

Meus olhos de repente adaptaram-se a pouca luminosidade e minhas visões foram quebradas, como uma criança que acorda e percebe que tinha acabado de ter tido um de seus primeiros pesadelos em sua vida. Vi o homem agora com olhos tristes e lacrimosos. O homem não olhava mais para mim, mas olhava para sua mão que tinha sido levantada de sua barriga avermelhada e úmida. Quando percebi, ele tinha acabado de se colocar em uma postura ereta e elegante, em quanto continuava a fitar para sua mão. Percebi também que eu fazia o mesmo como se estivesse o imitando, embora não estava atento ao detalhe de que minhas mãos estavam igualmente ensangüentadas. A realidade, então, finalmente me fez presente. Descobri que havia achado uma maneira de finalmente acabar com meus sofrimentos remotos e incuráveis. Um meio rápido de acabar com as cicatrizes em meu coração que, aos poucos, parava de bater com a evasão do sangue de minhas veias. O trágico momento do fim.

Meus olhos escureceram sem que eu fechasse minhas pálpebras e senti um estrondo irromper em meu braço esquerdo. O chão estava ficando molhado também, mas não conseguia ver se era meu sangue que o encharcava. A porta bateu e um grito soou meu nome. Deveria ser outra visão: a ultima.

De repente tudo se apagou. Desde o resquício de luz dos meus olhos aos poucos gostos e aromas que poderia estar sentindo. Nada mais era palpável ao meu tato. Era o fim de todas as minhas angústias. Um forte frio tomou conta de meu corpo por dentro e, depois, não havia mais nada.

Como se tivesse entrado ou saído de um sonho ouvi um choro, algo triste que me deixava arrasado por ter feito algo, mas não pude identificar o quê. Forcei com sucesso meus olhos a se abrirem para poder ver o que estava acontecendo. Era em um quarto branco que me via deitado, em uma cama nada macia. Havia apenas uma janela fechada e com sua cortina armada, dificultando a entrada da luz. Ao canto percebi sentada em um pequeno sofá uma moça linda, a mais perfeita que já havia visto. Ela estava com suas mão em seu rosto e com a cabeça abaixada. Era ela quem chorava.

-Pensei que as pessoas não chorassem no céu! Então aqui deve ser o inferno. Ou pelo menos o purgatório.

Minha voz era fraca, fraca demais e um tanto triste. Acho que em outro local e em outras circunstancias, não seria possível escutar minha voz. De repente a moça levantou e reparei que seu rosto estava mais amarrotado do que deveria e suas lagrimas já haviam deixado manchas sinalizando o tempo em que ela chorava.

Ela colocou-se de pé em um segundo e correu para meu lado. Tentei me levantar, mas não consegui. Olhei sue rosto melhor - agora de perto - e reconhecia quem era: a única pessoa que poderia me fazer feliz. A única pessoa que não apenas encobria minha infelicidade, mas a pessoa que fazia essa infelicidade tornar-se amor.

-Não. Você está onde deveria estar. Junto a mim! - Ela disse.

Escutei aquela voz perfeita que também havia me chamado antes de me sentir apagado e entendi tudo o que havia acontecido depois de meu fracasso. Fracasso que agora me deixava feliz e que espantava todas aquelas lembranças que pude visualizar novamente. Sobravam apenas as que me sentia como um Sol, ou melhor: como a Lua.

-Você é meu Sol. - Disse por fim.

A frase era perfeita demais para que seu significado seja compreendido facilmente por simples humanos, mas tinha certeza de que era essa a frase que eu queria usar.

Senti-me agora iluminado, como se o Sol e a Lua tivessem se encontrado num eclipse perfeito que duraria eternamente. Meu coração agora voltava a pulsar vivo, em quanto todo o amor e felicidade que me fazia esquecer minhas tristezas preenchiam o espaço em que meu sangue não mais ocupava em minhas veias e, principalmente, em meu coração.

O espelho havia se rompido agora, e a fissura em meu coração já se curava sem deixar mais marcas pela primeira vez.


Por Pedro Nunes Rodrigues

Um comentário:

  1. Obrigado a Guilherme e Raphael(Alis) por terem me ajudado quando precisei.
    Esse realmente foi difícil para terminar, mas acho qeu ficou bom.

    Abraço a todos e espero que gostem.

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