terça-feira, 13 de setembro de 2011

Apenas um sonho


Seus olhos não pareciam os mesmos. Ela via tudo de apenas uma cor. Uma única cor. De início, era tudo preto, tão preto que nem ao menos distinguia os objetos á sua frente. Aos poucos, a tonalidade do ambiente foi se modificando, até ficar como uma antiga foto preta e branca. Era um equilíbrio perfeito, dando ao ambiente em perfeita harmonia. Caminhou entre o jardim em que se encontrava, notando que era a única forma que possuía cor. Havia alguns bancos de madeira espalhados homogeneamente, junto á algumas árvores organizadas como um círculo. Para completar, centenas de flores de pétalas diferentes, no entanto, todas com uma coisa em comum: a cor, ainda eram todas negras. Aos poucos, ela sentiu o que parecia a saudade e em seguida, a esperança de voltar ao seu mundo antigo. Junto àquela emoção, o ambiente também começou a ser recheado com um verde, aquele verde belo das folhas da árvore, do caule das plantas e da grama rala. Voltou a caminhar pelo grande jardim, circulando as árvores e tentando encontrar alguma outra pessoa. Tentava acordar do seu sonho. Ou pelo menos, achar algum sentido para ele.
Seus pés bateram de modo desajeitado em uma raiz, fazendo com que a menina caísse sobre a grama macia. Não se machucou, mas ouviu algo como um trovão quebrando o céu e em seguida, a cor marrom preencher o ambiente. As árvores possuíam as cores completas e os bancos pareciam mais vivos, até mesmo mais resistentes. Levantou-se, percebendo que nem mesmo com o susto da queda havia sido acordada. Foi até um dos pequenos bancos, sentando-se no mesmo e encolhendo de modo que pudesse abraçar os próprios joelhos. O único som ouvido até então era o do trovão e nada mais. Era como se estivesse em um silêncio profundo que nem mesmo sua respiração conseguia quebrar. Tentou falar, mas não conseguiu. A fala não era algo que pertencesse àquele lugar.
Começou a se sentir sozinha, como se fosse á única no mundo. Como se o apocalipse finalmente tivesse chegado. Levantou-se com os olhos cheios de lágrimas e foi caminhando até o que deveria ser um caminho de pedras. Parou sobre um quadrado de granizo, ficando sobre ele e pensando se deveria segui-lo. Talvez possuísse alguém em seu fim. Uma lágrima escorreu pela sua bochecha e pingou sobre o local, liberando o que deveria ser a cor cinza. A sua solidão. Todo o granizo se preencheu com aquele tom. Era por lá que ela deveria seguir. Aquele era o seu caminho; o de quem anda só. Pulou de quadradinho em quadradinho, tentando em vão se animar e voltando para um círculo como o de antes. Mas neste, possuíam apenas rosas. Rosas brancas, sem cores. Rosas cinzas esperando algo para colori-las e tira-las daquela solidão. Ajoelhou-se ao lado do arbusto, levando seus dedos até o caule da planta prestes á tirá-la. Sentiu um espinho perfurar seu dedo, fazendo-lhe sentir uma grande dor. Porém, não era dor física. Era uma dor no peito. Era o amor ardendo em seu peito. O corte começou lentamente a sangrar, deixando uma pequena gota cair sobre a rosa que antes esperava ser. Junto á toda aquela dor chamada amor, algumas das rosas foram pintadas, tomando a cor do sangue da jovem. Mais lágrimas escorreram por sua bochecha, no entanto, elas já não coloriam nada. Ao menos seu sangue havia servido de algo. Agora, ela tinha um jardim de rosas brancas e vermelhas, todas juntas em uma perfeita harmonia.

A dor em seu peito não parava, pelo contrário, ficava ainda mais intensa. Levantou-se e começou a correr, passando de leve as costas da sua mão sobre a bochecha, tentando conter as lágrimas. Correu o mais rápido que pode. Correu até seus pés não agüentarem mais. Correu tanto que se esqueceu do machucado em seu dedo e quando se lembrou do mesmo, sua mão já estava encharcada de sangue. Agora, só havia um vasto campo de grama, com um rio há poucos metros. Usou suas últimas energias para chegar até o rio, parou na beirada do mesmo e preparou-se para lavar sua mão com água sem cor. Era tão transparente que quase não era possível enxergá-la. Aquele mundo ainda não possuía o azul. Colocou a mão sobre o rio, sem sentir nem ao menos o toque da água sobre a sua mão. Podia ver o sangue manchar o rio com toda a sua dor. Sentiu-se tonta, cansada e atordoada.
Seu corpo amoleceu e foi parar dentro do riacho, sendo engolida pela água transparente. Para sua sorte, havia conseguido recuperar a consciência á tempo de colocar os pés sobre o chão e não ser carregada pela correnteza. A água do rio passava entre seu corpo, mas não era o seu físico que ela sentia-se lavando. Todas as suas emoções foram levadas e junto delas, a sua cor. Agora, era ela quem não representava nada naquele mundo. Pensou ter ouvido o som da água enquanto a cor azul preenchia o céu e o líquido cristalino do local. Saiu de dentro do rio, sentindo suas vestes completamente secas – o que era extremamente anormal ainda naquele mundo. Ela já não possuía machucados, nem cor, nem emoções. Era apenas um corpo vazio, sem vida e com uma alma solitária. Novamente um trovão, mas nenhuma nova cor, afinal, tudo á sua volta já parecia colorido. O céu, a grama e o riacho. O som vinha do céu e eram nuvens negras carregadas de chuva. Não teve tempo de correr nem de se esconder e logo o céu desabou sobre a mesma. Agora, não eram apenas os tons que preenchiam o local, mas também, os sons. Seus passos sobre a grama, das gotas caindo sobre corpo e até mesmo de seu respirar.
Abraçou a si mesma, tentando se consolar diante da situação. Frio. Começou a sentir frio, uma sensação também nova para aquele lugar. Seu tato havia sido devolvido e aos poucos, sentia suas emoções voltarem a fluir como a água. O mesmo que havia lhe limpado, tirado todas as suas cores e dores, estava lhe devolvendo. Mas agora, ela se sentia mais viva, com o cabelo mais ruivo do que antes e as emoções mais intensas. Estava feliz por estar ali, longe de todo o mal do mundo, onde ninguém podia lhe tocar. Diante de toda aquela felicidade; daquela emoção nova para o local, notou o amarelo se espalhar, criando um sol que aos poucos sumiu com toda a chuva. O frio se transformou em calor. A felicidade em compaixão. Não se faltava mais nada naquele lugar, pois aos poucos, novas cores pareciam preencher cada mínimo objeto.
Roxo. Laranja. Rosa. E milhares de outros tons completaram o que faltava em seu jardim. Em sua vida. Outro som invadiu o local, mas não era como os outros, esse era como um chiado que incomoda o ouvido de qualquer um. Tentou não escutar todo aquele barulho e começou a ficar com medo. Fechou os olhos querendo acordar, mas não conseguia. Estava presa ali, em seu novo mundo. Concentrou-se, porém, nada aconteceu. Começou a sentir sua cabeça latejar e abriu os olhos, vendo todos os objetos á sua volta tremerem diante o som. Aos poucos tudo foi sumindo, virando fumaça. Em segundos o local estava completamente tomado pelo mau cheiro. Seus olhos queimavam e se sentia ficando surda. Seu mundo acabava lentamente, junto de toda a sua felicidade. Junto ao seu corpo, que ia perdendo os órgãos. Perdendo suas emoções. Até mesmo sua alma parecia querer fugir daquela tortura. Foi aí que tudo acabou, como se nada fosse importante, como se sua vida não valesse á pena.


Por meu grande amigo, Guilherme Scardua Dellacqua